A formação do enfermeiro e a gestão do sistema de saúde
The management of the health system and the formation of the nurse
La gerencia del sistema de la salud y la formación de la enfermera
Cláudia AarestrupI, Cláudia Mara de Melo TavaresII
IEnfermeira. Mestranda da Universidade Federal Fluminense - Mestrado Profissional em Enfermagem Assistencial. Coordenadora de Vigilância Epidemiológica e Ambiental da Gerência Regional de Saúde de Manhumirim/SES – MG. E-mail: claudiaaarestrup@yahoo.com.br.
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Titular da Escola de Enfermagem Aurora Costa da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora Adjunta do Programa de Mestrado Profissional em Enfermagem Assistencial/UFF – Niterói-RJ. E-mail: claumara@vr.microlink.com.br.
RESUMO
O modelo de gestão de sistema de saúde atual encontra-se numa fase de transformação, sendo valorizada a contribuição dos enfermeiros para implantar, manter e desenvolver políticas de saúde para o adequado funcionamento do Sistema Único de Saúde. Este estudo tem como objetivo analisar as contribuições da formação do enfermeiro para a gestão do sistema de saúde. Foi efetuada uma revisão de literatura, no período de janeiro de 1993 a outubro de 2007, nas bases de dados LILACS, SciELO e BDENF, buscou-se nos artigos os modos de atuação do enfermeiro nos diferentes campos da gestão do sistema de saúde, identificando fatores intervenientes no processo de gestão e aspectos relacionados à sua formação. Os resultados obtidos foram organizados em duas categorias: desempenho do papel de gestor pelo enfermeiro e a formação do enfermeiro para gestão de sistemas de saúde. O estudo permite concluir que a inadequação da formação acadêmica à realidade de saúde do país pode explicar o despreparo das equipes de saúde para assumirem a gerência do sistema de saúde e que a orientação crítica na formação do enfermeiro nos últimos anos favorece o desempenho do papel de gestor de sistemas de saúde.
Palavras chave: Enfermagem; Gestão em Saúde; Sistema de Saúde; Educação.
ABSTRACT
The management model of the current health system meets in a phase of transformation. The contribution of the nurses in the implantation and development of health politics for the adequate practice of the public health system has been valued. The main objective of the present study is analyze the contributions of the nurse’s academic formation for the management of the health system. A literature review was performed during the period of January of 1993 to October of 2007, using databases LILACS, SciELO and BDENF. The authors searched in articles the ways of performance of the nurse in the different fields of the management of the health system, identifying intervening factors in the management process and aspects related to its formation. The results obtained during the bibliography searched two categories: performance of the nurse as a manager and the academic formation of the nurse for management of health systems. The present study suggest that the inadequate academic formation concerning the reality of the country’s system health can explain the unprepared of the health teams to assume the management of the health system. Finally, we propose that the critical orientation in the formation of the nurse in the last years favors his performance in the management of the health systems.
Key words: Nursing; Management in health; System of Health; Education.
RESUMEN
El modelo de la gerencia del sistema actual de salud satisface en una fase de la transformación. La contribución de las enfermeras en la implantación y desarrollo de la política de la salud para la práctica adecuada del sistema de la salud pública se ha valorado. Este estudio tiene como objetivo analiza las contribuciones de la formación académica de la enfermera para la gerencia del sistema de la salud. Una revisión de la literatura fue realizada durante el período de enero de 1993 a octubre de 2007, usando de las bases de datos, LILACS, SciELO y BDENF. Los autores buscaron en artículos las maneras del funcionamiento de la enfermera en los diversos campos de la gerencia del sistema de la salud, identificando factores que intervenían en el proceso y los aspectos de la gerencia relacionados con su formación. Los resultados obtenidos durante la bibliografía buscaron dos categorías: funcionamiento de la enfermera como encargado y la formación académica de la enfermera para la gerencia de los sistemas de la salud. El actual estudio sugiere que la formación académica inadecuada referente a la realidad de la salud del sistema del país pueda explicar el sin preparación de los equipos de la salud para asumir la gerencia del sistema de la salud. Finalmente, proponemos que la orientación crítica en la formación de la enfermera en los años del último favorece su funcionamiento en la gerencia de los sistemas de la salud.
Palabras clave: Oficio de enfermera; Gerencia en salud; Sistema de Salud; Enseñanza.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 desencadeia o processo de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) cujo lema “Saúde direito de todos, dever do Estado”, norteia os preceitos que irão governar a política setorial nos anos seguintes. Com a Lei 8.142, a Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS), a Norma Operacional Básica de Saúde (NOBs) e outras; a estrutura do SUS vai sendo delineada e papéis e funções vão surgindo em meio ao caminho tortuoso em busca da qualidade e melhoria das condições de saúde da população. Neste sentido desencadeia-se o processo de descentralização política e administrativa, observa-se progressiva municipalização do sistema e desenvolvimento de organismos colegiados e controle social(1) .
O modelo de gestão atual encontra-se numa fase de transformação, de mudanças, de conscientização e, principalmente, de um processo de educação em saúde para a população e para os profissionais, que compõem o cenário atual.
A enfermagem adquire cada dia maior relevância na atuação dos Sistemas de Saúde, sendo valorizada pelo seu desempenho profissional e sua contribuição na implantação e na manutenção da política de saúde e, conseqüentemente, em gestão de sistema de saúde(2).
O objetivo deste estudo é analisar como a formação do enfermeiro e as peculiaridades da profissão contribuem para a gestão do sistema de saúde, designando sistema de saúde como um conjunto de ações e serviços de atenção à saúde organizada de forma regionalizada e hierarquizada, voltada ao atendimento integral da população(3).
Para compreendermos a amplitude deste objetivo, pontuamos os termos gestão e gerência, os quais são sinônimos conforme os dicionários de língua portuguesa. De acordo com as Normas Operacionais Básicas/96 podemos conceituar gerência como sendo a administração de uma unidade ou órgão de saúde (ambulatório, hospital, instituto, fundação, etc); que se caracteriza como prestador de serviços ao sistema; e gestão como a atividade e a responsabilidade de dirigir um sistema de saúde (municipal, estadual ou nacional), mediante o exercício de funções de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria(3).
Fazendo uma interação entre esses conceitos e as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem - Parecer Nº CNE/CES 1.133/2001, selecionamos algumas competências específicas da profissão, as quais se relacionam com esse estudo, são elas: Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a serem gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; reconhecer-se como coordenador do trabalho da equipe de enfermagem; gerenciar o processo de trabalho em enfermagem com princípios de ética/bioética, com resolutividade tanto no individual como coletivo em todos os âmbitos de atuação profissional; reconhecer o papel social do enfermeiro para atuar em atividades de política e planejamento em saúde(4).
Há um amplo debate no Brasil sobre qual seria o modelo de atenção ideal para organizar a denominada rede básica (atenção primária), viabilizando, na prática, as diretrizes do Sistema Único de Saúde(5).
Diversas experiências direcionadas a ampliar a democracia em instituições de saúde surgiram em meio ao processo de implantação do SUS no Brasil, como a descentralização do poder, a instalação de Conselhos e conferências de Saúde, com o intuito de alterar o funcionamento democrático do Estado. Porém, estas medidas parecem insuficientes para alcançar os objetivos do SUS e diminuir o alto grau de alienação que se observa entre a maioria dos trabalhadores(6).
Os serviços de saúde devem se apoiar em processos gerenciais autogestores, publicamente balizados a partir de contratos globais, centrados em resultados e na lógica dos usuários, e dirigidos colegiadamente pelo conjunto dos seus trabalhadores(7); articulados a uma rede de serviços de saúde, regulada pelo Estado e implicados com a produção do cuidado de modo centrado no usuário(8).
O novo modelo partiria do princípio de que não haveria poder nem dominação absolutos, mas sempre relativos em relação com outros graus de poder e de dominação(6).
No universo de ação de atores sociais, que agem para produzir certa conformação das necessidades como foco de políticas de saúde, a multiplicidade dos atores envolvidos tem mostrado a impossibilidade de se ter, nas políticas instituídas, o abarcamento do conjunto dos interesses construtivos do setor saúde, a não ser por pactuação social, expressa das formas mais distintas por mecanismos, mais amplos de envolvimento e negociação, ou mesmo por práticas mais impositivas e excludentes(8).
Retomando a implementação efetiva da gestão local do SUS podemos dizer que sua viabilidade depende da interação do poder executivo municipal, representada pela Secretaria Municipal de Saúde com os gestores intermediários, outros gestores municipais, outras secretarias, outros municípios, o estado e representantes da sociedade civil organizada que incorporados à gestão do SUS podemos designar como co-gestores. Esta interação ocorre através dos Conselhos de Saúde almejando assim, o cumprimento dos princípios do SUS(9).
Assim podemos dizer que a gestão do SUS é por natureza compartilhada e exercida por gestores e co-gestores. Neste caso os conceitos de gestão e gerência definidos na NOB/96 tornam-se equivalentes ampliando o conceito de gestão, pois se nos detivermos aos conceitos diferenciados estaremos descaracterizando o compartilhamento da gestão.
Nesta pesquisa foi tomado como referência o conceito de gestor como o “responsável pela gerência e coordenação de algum programa, serviço, atividade, ou do próprio sistema de saúde”(9). Mediante esta visão, compreendemos que o exercício da gestão vinculada ao SUS compreende as funções gerenciais, colocando também, os gerentes como co-gestores do sistema. Com a expansão do conceito de gestão e de gerência, detectamos novos atores que atuam como co-gestores, dentre eles destacamos a enfermeira devido a cada dia ocupar cada vez mais cargos chave na gestão do SUS(9).
METODOLOGIA
Para estudar a relação entre a formação do enfermeiro e a gestão do sistema de saúde, realizou-se uma análise dos artigos sobre essa temática, publicados nos principais periódicos de Enfermagem, no período de janeiro de 1993 a outubro de 2007.
As bases de dados investigadas foram LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SciELO (Scientific Eletronic Library on-line) e BDENF (Banco de Dados em Enfermagem). Utilizamos como descritores de busca: gestão em saúde; administração; sistemas de saúde; educação, formação em saúde e enfermagem. Estes descritores foram utilizados separadamente como também nas várias combinações possíveis, buscando, assim, filtrar artigos compatíveis com a temática.
Nas bases de dados LILACS, BDENF e SciELO após intersecção dos descritores utilizados para a busca bibliográfica foram encontrados 175 artigos do BDENF, 341 artigos do LILACS e 34 artigos do SciELO sendo selecionados para este trabalho apenas 13 artigos do SciELO e 2 artigos da LILACS. Cabe ressaltar que na referida base os descritores administração e serviços de saúde foram também utilizados em separado devido possibilitar uma busca mais abrangente. Os artigos excluídos não apresentavam relação direta com a temática em estudo não se enquadrando no perfil da pesquisa.
Na leitura e análise das publicações, buscamos as convergências e contradições, sendo que, ao organizarmos os dados, destacaram-se dois tópicos principais - desempenho do papel de gestor pelo enfermeiro: limites e possibilidades e concepções educacionais sobre a formação do enfermeiro na gestão de sistemas de saúde - os quais serão apresentados a seguir.
DESEMPENHO DO PAPEL DE GESTOR PELO ENFERMEIRO
O antigo modelo de sistema de saúde centralizado, cujos alicerces decisórios se restringiam em âmbito federal e estadual tornaram-se inadequados com a implantação do SUS no Brasil em decorrência da descentralização e a municipalização. Através do processo de implementação do SUS, os gestores municipais adquiriram maior autonomia, seguida de responsabilidade na gerência de serviços de saúde.
A enfermagem tem demonstrado nos últimos anos, potencial para implantação, manutenção e desenvolvimento das políticas de saúde, demonstra ser ela o eixo principal para suportar qualquer política de saúde que tenha como objetivo a assistência de qualidade(2). Entretanto, a atuação do enfermeiro como gestor sofre interferências que podem comprometer seu desempenho, dentre as quais se destaca: condições de trabalho insatisfatórias; tensão provocada pela pressão da demanda excessiva; falta de recursos; qualidade insatisfatória e ausência de integralidade no sistema de saúde; precariedade dos sistemas de informação operacionais, dificultando a avaliação de resultados; falta de política de desenvolvimento integrado de recursos humanos; decisões políticas (ingerência política); interesses político-partidários, externo à vida organizacional; falta de conhecimento técnico-científico sobre o sistema de saúde, como também das leis, normas e diretrizes que regem a saúde(10).
Além dos fatores intervenientes já citados, observamos na literatura críticas à própria formação do enfermeiro, tais como: descontextualização em relação às realidades regionais e às práticas que realiza, desconsideração do trabalho como princípio pedagógico, contato tardio do aluno com a futura prática profissional, valorização do domínio de habilidades técnicas voltadas para um sistema de alta complexidade, reduzida ênfase no trabalho multiprofissional, currículos pouco flexíveis, dicotomia entre teoria/prática, pensar/fazer, cuidar/administrar(11); sendo necessário uma lapidação no sentido do gerenciamento, pois os órgãos formadores ainda não proporcionam capacitação aos enfermeiros para torná-los aptos para desempenharem a função de gestores de saúde(2).
Conforme assinala Barbosa et al(2), a profissão proporciona aos enfermeiros um campo vasto de experiências, principalmente quanto à liderança, comunicação, pesquisa, organização, promoção e prevenção à saúde; porém, em todas o enfermeiro ocupa a liderança dentro das instituições direcionando grupos a um objetivo comum(2-12) . Esta característica de liderar comunga com o gerenciamento de serviços e a razão de ser da profissão, pois o enfermeiro possui um perfil gerencial que é delineado pela sua formação acadêmica, ou seja, o seu grau de conhecimento técnico e por suas características/ qualidades pessoais e profissionais(13).
No campo da saúde coletiva, o enfermeiro possui maior interligação com a comunidade, detectando seus problemas, objetivando ações para o controle e melhoria da qualidade de vida. O enfermeiro em saúde pública possui uma visão da realidade que contribui para a criação de estratégias em busca da resolução de problemas(2).
A enfermagem como disciplina profissional visa à construção do conhecimento entendido como gestão em enfermagem, que pode ser expresso pelo processo de trabalho, ou seja, um conjunto de atitudes do enfermeiro para manter a coerência entre o discurso e ação(14).
O conhecimento organizacional necessita de uma gestão e de uma enfermagem que se situa na interseção dos fluxos de informação, contribuindo com a melhoria das práticas de saúde através de uma cultura de compartilhamento do conhecimento(15).
Em síntese, podemos dizer que a atuação do enfermeiro como gestor depende, primeiramente, do conhecimento que este tem do processo de gestão em saúde, dos caminhos e da possibilidade de abertura ou desencadeamento de processos sociais e intersubjetivos de criação e recriação constante de acordos, pactos e projetos coletivos, como também de criar planos diretores com aplicação coordenada de recursos e atividades capazes de integrar ações sobre o meio ambiente, sobre a coletividade, sobre serviços assistenciais (público e privado), os conselhos municipais de saúde, os sistemas de informação de interesse em saúde, sua análise, interpretação e avaliação de resultados(16).
A FORMAÇÃO DO ENFERMEIRO PARA A GESTÃO DE SISTEMAS DE SAÚDE
Com a implantação do novo modelo assistencial – SUS – e a necessidade da formulação de novas políticas educacionais; a saúde e a educação passam por um processo de transformação o qual nos leva a reflexão histórica destes processos para a construção de novas realidades(17).
A transformação do projeto político pedagógico institucional é uma mudança muito complexa cuja efetivação só será possível com a participação de todos os atores envolvidos e do aprofundamento do debate político conceitual(18).
As novas diretrizes curriculares falam de formação crítica e reflexiva, visando a capacitação do enfermeiro para atuar em diferentes níveis de atenção do processo saúde-doença, na perspectiva da integralidade da assistência, o que não se consegue em uma formação hospitalocêntrica(18).
Nos dias de hoje, devido às grandes mudanças, como a globalização, torna-se necessário a avaliação e a revisão do modelo de ensino de enfermagem no Brasil(19).
A atualização constante do profissional de saúde através de um processo de formação contínua que contemple a aquisição de habilidades técnicas e o desenvolvimento de suas potencialidades no mundo do trabalho e no meio social se faz necessário em decorrência da crescente acumulação de conhecimentos(20).
Bagnato descreve como as fases da educação/ensino de enfermagem no Brasil, a religiosa, a vocacional, a funcionalista, a da organização dos princípios científicos e a da construção das teorias de enfermagem(19).
A fase religiosa sofre influências da igreja devido à conotação de um trabalho espiritualizado, impossibilitando às pessoas que se dedicavam ao trabalho de enfermagem reivindicar ou terem direitos. Na fase vocacional, surge a institucionalização da profissão, valorizando o trabalho e a disciplina na conduta dos profissionais. A fase funcional tem como objetivo formar um profissional dócil, obediente e controlável, caracterizando-se pelo desempenho de procedimentos e tarefas. Na fase de organização dos princípios científicos é marcante a preocupação em identificar e utilizar os princípios científicos na prática de enfermagem. Com o objetivo de construir um corpo de conhecimentos que confira à Enfermagem o “status de ciências” surge a fase de construção das teorias de enfermagem(19).
Há ainda um predomínio de características das tendências liberais, particularmente, da tradicional, referente à metodologia de ensino utilizada nos cursos de enfermagem, tais como: relação professor/aluno verticalizada, autoritarismo, fala centrada dos professores, cobrança do comportamento ético e moral dos alunos e outros(19).
Não se questionam estes procedimentos, estas cobranças, é a exigência, é a conduta, é a norma pela norma que por muitas vezes desfocam os verdadeiros valores, objetivos e finalidades da educação/ensino de enfermagem tais como: a busca da autonomia profissional, de elaboração de uma proposta de formação que enfatize/ valorize características de análise, de reflexão, de crítica e de superação de paradigmas para concepções que sustentam uma formação profissional comprometida com um projeto pedagógico-histórico-político-filosófico e social que subsidie ações, práticas de saúde voltadas para a maioria da população atendida por estes profissionais(19).
Neste sentido, torna-se imprescindível a revalorização do trabalho como sítio privilegiado de aprendizagem, viabilizando desenvolvimento de estratégias educativas nas quais, a reflexão crítica e a atitude problematizadora sejam valorizadas(18).
A prática educativa referida como a mais apropriada ao agir na saúde coletiva consiste na pedagogia da problematização por promover a valorização do saber do educando, instrumentalizando-o para a transformação da realidade e de si mesmo. Esta prática possibilita a efetivação do direito da clientela às informações, de forma a estabelecer sua participação ativa nas ações de saúde, assim como para o desenvolvimento contínuo de habilidades humanas e técnicas no trabalhador de saúde, fazendo com que este exerça um trabalho criativo. Devido a estas características a pedagogia da problematização caminha ao encontro dos princípios e diretrizes da Promoção da Saúde em busca de uma sociedade mais democrática em prol do desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos e da coletividade(20).
CONCLUSÃO
Os achados deste estudo permitiram constatar que a mudança no gerenciamento dos sistemas de saúde em todos os níveis organizacionais se faz necessária; porém, devido à inovação, a assimilação da função de gerente municipal tornou-se nebulosa por ser uma função nova, desconhecida, tendo como conseqüência o despreparo das equipes de saúde para assumirem a gerência e a liderança de funções. Esse despreparo deve-se a uma formação acadêmica inadequada à realidade de saúde do país e às políticas institucionais distantes da integralidade dos sistemas de saúde.
A formação em saúde e o próprio sistema de saúde estão em fase de transformação. Implicando assim, um processo de lento de construção/reconstrução onde todos os atores (clientela, profissionais, instituições) participam ativamente.
A pedagogia tradicional das escolas de formação vem sendo substituída gradativamente por uma pedagogia problematizadora e os currículos estão sendo modificados em função das novas diretrizes nacionais para a formação dos profissionais de saúde. Busca-se engajar o futuro profissional no contexto da saúde e prepara-lo para enfrentar os desafios sociais relacionados à área. Formando assim, profissionais críticos, capazes de refletir sobre o processo saúde-doença em sua integralidade.
A formação dos enfermeiros para atuar na perspectiva de gestão proposta pelo SUS é evidente em alguns cursos de graduação que vêm desencadeando mudanças em meio a um processo de transformação da formação e do próprio sistema de saúde. Exige-se do enfermeiro competências de caráter educativo, assistencial, administrativo e político, todas engajadas no compartilhamento de informações e conhecimento que o enfermeiro tem do processo de gestão em saúde, do desencadeamento de processos sociais através de pactos, dos projetos coletivos, dos planos diretores, integrando ações de coletividade, dos serviços assistências, do meio ambiente, das representações sociais e da avaliação dos resultados, ou seja, processos concretos de práticas de saúde diferenciados no interior dos serviços de saúde.
Os artigos examinados nos permitem dizer que o trabalho da enfermagem em saúde é marcante nas questões de coletividade. Seu potencial para a implantação, manutenção e desenvolvimento das políticas de saúde é relevante, demonstrando ser a enfermagem o ponto central e norteador deste processo. A principal contribuição da enfermagem para gestão de sistemas é o desenvolvimento dos princípios e diretrizes do SUS com base na incorporação e sustentabilidade das políticas de saúde atuais, porém a gestão tem que saber articular o político com o técnico-científico na produção de cuidados assistenciais em saúde.
É possível alcançar as metas e melhorar a qualidade de gerenciamento do Sistema de Saúde com vistas às questões epidemiológicas e ambientais, com a participação do enfermeiro em gerência do sistema contribuindo para definição de políticas de saúde do município. Assim os questionamentos desse instrumento gerencial poderão ser respondidos e transformados em qualidade tanto no âmbito assistencial quanto no campo profissional.
REFERÊNCIAS
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Cláudia AarestrupI, Cláudia Mara de Melo TavaresII
IEnfermeira. Mestranda da Universidade Federal Fluminense - Mestrado Profissional em Enfermagem Assistencial. Coordenadora de Vigilância Epidemiológica e Ambiental da Gerência Regional de Saúde de Manhumirim/SES – MG. E-mail: claudiaaarestrup@yahoo.com.br.
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Titular da Escola de Enfermagem Aurora Costa da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora Adjunta do Programa de Mestrado Profissional em Enfermagem Assistencial/UFF – Niterói-RJ. E-mail: claumara@vr.microlink.com.br.
RESUMO
O modelo de gestão de sistema de saúde atual encontra-se numa fase de transformação, sendo valorizada a contribuição dos enfermeiros para implantar, manter e desenvolver políticas de saúde para o adequado funcionamento do Sistema Único de Saúde. Este estudo tem como objetivo analisar as contribuições da formação do enfermeiro para a gestão do sistema de saúde. Foi efetuada uma revisão de literatura, no período de janeiro de 1993 a outubro de 2007, nas bases de dados LILACS, SciELO e BDENF, buscou-se nos artigos os modos de atuação do enfermeiro nos diferentes campos da gestão do sistema de saúde, identificando fatores intervenientes no processo de gestão e aspectos relacionados à sua formação. Os resultados obtidos foram organizados em duas categorias: desempenho do papel de gestor pelo enfermeiro e a formação do enfermeiro para gestão de sistemas de saúde. O estudo permite concluir que a inadequação da formação acadêmica à realidade de saúde do país pode explicar o despreparo das equipes de saúde para assumirem a gerência do sistema de saúde e que a orientação crítica na formação do enfermeiro nos últimos anos favorece o desempenho do papel de gestor de sistemas de saúde.
Palavras chave: Enfermagem; Gestão em Saúde; Sistema de Saúde; Educação.
ABSTRACT
The management model of the current health system meets in a phase of transformation. The contribution of the nurses in the implantation and development of health politics for the adequate practice of the public health system has been valued. The main objective of the present study is analyze the contributions of the nurse’s academic formation for the management of the health system. A literature review was performed during the period of January of 1993 to October of 2007, using databases LILACS, SciELO and BDENF. The authors searched in articles the ways of performance of the nurse in the different fields of the management of the health system, identifying intervening factors in the management process and aspects related to its formation. The results obtained during the bibliography searched two categories: performance of the nurse as a manager and the academic formation of the nurse for management of health systems. The present study suggest that the inadequate academic formation concerning the reality of the country’s system health can explain the unprepared of the health teams to assume the management of the health system. Finally, we propose that the critical orientation in the formation of the nurse in the last years favors his performance in the management of the health systems.
Key words: Nursing; Management in health; System of Health; Education.
RESUMEN
El modelo de la gerencia del sistema actual de salud satisface en una fase de la transformación. La contribución de las enfermeras en la implantación y desarrollo de la política de la salud para la práctica adecuada del sistema de la salud pública se ha valorado. Este estudio tiene como objetivo analiza las contribuciones de la formación académica de la enfermera para la gerencia del sistema de la salud. Una revisión de la literatura fue realizada durante el período de enero de 1993 a octubre de 2007, usando de las bases de datos, LILACS, SciELO y BDENF. Los autores buscaron en artículos las maneras del funcionamiento de la enfermera en los diversos campos de la gerencia del sistema de la salud, identificando factores que intervenían en el proceso y los aspectos de la gerencia relacionados con su formación. Los resultados obtenidos durante la bibliografía buscaron dos categorías: funcionamiento de la enfermera como encargado y la formación académica de la enfermera para la gerencia de los sistemas de la salud. El actual estudio sugiere que la formación académica inadecuada referente a la realidad de la salud del sistema del país pueda explicar el sin preparación de los equipos de la salud para asumir la gerencia del sistema de la salud. Finalmente, proponemos que la orientación crítica en la formación de la enfermera en los años del último favorece su funcionamiento en la gerencia de los sistemas de la salud.
Palabras clave: Oficio de enfermera; Gerencia en salud; Sistema de Salud; Enseñanza.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 desencadeia o processo de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) cujo lema “Saúde direito de todos, dever do Estado”, norteia os preceitos que irão governar a política setorial nos anos seguintes. Com a Lei 8.142, a Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS), a Norma Operacional Básica de Saúde (NOBs) e outras; a estrutura do SUS vai sendo delineada e papéis e funções vão surgindo em meio ao caminho tortuoso em busca da qualidade e melhoria das condições de saúde da população. Neste sentido desencadeia-se o processo de descentralização política e administrativa, observa-se progressiva municipalização do sistema e desenvolvimento de organismos colegiados e controle social(1) .
O modelo de gestão atual encontra-se numa fase de transformação, de mudanças, de conscientização e, principalmente, de um processo de educação em saúde para a população e para os profissionais, que compõem o cenário atual.
A enfermagem adquire cada dia maior relevância na atuação dos Sistemas de Saúde, sendo valorizada pelo seu desempenho profissional e sua contribuição na implantação e na manutenção da política de saúde e, conseqüentemente, em gestão de sistema de saúde(2).
O objetivo deste estudo é analisar como a formação do enfermeiro e as peculiaridades da profissão contribuem para a gestão do sistema de saúde, designando sistema de saúde como um conjunto de ações e serviços de atenção à saúde organizada de forma regionalizada e hierarquizada, voltada ao atendimento integral da população(3).
Para compreendermos a amplitude deste objetivo, pontuamos os termos gestão e gerência, os quais são sinônimos conforme os dicionários de língua portuguesa. De acordo com as Normas Operacionais Básicas/96 podemos conceituar gerência como sendo a administração de uma unidade ou órgão de saúde (ambulatório, hospital, instituto, fundação, etc); que se caracteriza como prestador de serviços ao sistema; e gestão como a atividade e a responsabilidade de dirigir um sistema de saúde (municipal, estadual ou nacional), mediante o exercício de funções de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria(3).
Fazendo uma interação entre esses conceitos e as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem - Parecer Nº CNE/CES 1.133/2001, selecionamos algumas competências específicas da profissão, as quais se relacionam com esse estudo, são elas: Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a serem gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; reconhecer-se como coordenador do trabalho da equipe de enfermagem; gerenciar o processo de trabalho em enfermagem com princípios de ética/bioética, com resolutividade tanto no individual como coletivo em todos os âmbitos de atuação profissional; reconhecer o papel social do enfermeiro para atuar em atividades de política e planejamento em saúde(4).
Há um amplo debate no Brasil sobre qual seria o modelo de atenção ideal para organizar a denominada rede básica (atenção primária), viabilizando, na prática, as diretrizes do Sistema Único de Saúde(5).
Diversas experiências direcionadas a ampliar a democracia em instituições de saúde surgiram em meio ao processo de implantação do SUS no Brasil, como a descentralização do poder, a instalação de Conselhos e conferências de Saúde, com o intuito de alterar o funcionamento democrático do Estado. Porém, estas medidas parecem insuficientes para alcançar os objetivos do SUS e diminuir o alto grau de alienação que se observa entre a maioria dos trabalhadores(6).
Os serviços de saúde devem se apoiar em processos gerenciais autogestores, publicamente balizados a partir de contratos globais, centrados em resultados e na lógica dos usuários, e dirigidos colegiadamente pelo conjunto dos seus trabalhadores(7); articulados a uma rede de serviços de saúde, regulada pelo Estado e implicados com a produção do cuidado de modo centrado no usuário(8).
O novo modelo partiria do princípio de que não haveria poder nem dominação absolutos, mas sempre relativos em relação com outros graus de poder e de dominação(6).
No universo de ação de atores sociais, que agem para produzir certa conformação das necessidades como foco de políticas de saúde, a multiplicidade dos atores envolvidos tem mostrado a impossibilidade de se ter, nas políticas instituídas, o abarcamento do conjunto dos interesses construtivos do setor saúde, a não ser por pactuação social, expressa das formas mais distintas por mecanismos, mais amplos de envolvimento e negociação, ou mesmo por práticas mais impositivas e excludentes(8).
Retomando a implementação efetiva da gestão local do SUS podemos dizer que sua viabilidade depende da interação do poder executivo municipal, representada pela Secretaria Municipal de Saúde com os gestores intermediários, outros gestores municipais, outras secretarias, outros municípios, o estado e representantes da sociedade civil organizada que incorporados à gestão do SUS podemos designar como co-gestores. Esta interação ocorre através dos Conselhos de Saúde almejando assim, o cumprimento dos princípios do SUS(9).
Assim podemos dizer que a gestão do SUS é por natureza compartilhada e exercida por gestores e co-gestores. Neste caso os conceitos de gestão e gerência definidos na NOB/96 tornam-se equivalentes ampliando o conceito de gestão, pois se nos detivermos aos conceitos diferenciados estaremos descaracterizando o compartilhamento da gestão.
Nesta pesquisa foi tomado como referência o conceito de gestor como o “responsável pela gerência e coordenação de algum programa, serviço, atividade, ou do próprio sistema de saúde”(9). Mediante esta visão, compreendemos que o exercício da gestão vinculada ao SUS compreende as funções gerenciais, colocando também, os gerentes como co-gestores do sistema. Com a expansão do conceito de gestão e de gerência, detectamos novos atores que atuam como co-gestores, dentre eles destacamos a enfermeira devido a cada dia ocupar cada vez mais cargos chave na gestão do SUS(9).
METODOLOGIA
Para estudar a relação entre a formação do enfermeiro e a gestão do sistema de saúde, realizou-se uma análise dos artigos sobre essa temática, publicados nos principais periódicos de Enfermagem, no período de janeiro de 1993 a outubro de 2007.
As bases de dados investigadas foram LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SciELO (Scientific Eletronic Library on-line) e BDENF (Banco de Dados em Enfermagem). Utilizamos como descritores de busca: gestão em saúde; administração; sistemas de saúde; educação, formação em saúde e enfermagem. Estes descritores foram utilizados separadamente como também nas várias combinações possíveis, buscando, assim, filtrar artigos compatíveis com a temática.
Nas bases de dados LILACS, BDENF e SciELO após intersecção dos descritores utilizados para a busca bibliográfica foram encontrados 175 artigos do BDENF, 341 artigos do LILACS e 34 artigos do SciELO sendo selecionados para este trabalho apenas 13 artigos do SciELO e 2 artigos da LILACS. Cabe ressaltar que na referida base os descritores administração e serviços de saúde foram também utilizados em separado devido possibilitar uma busca mais abrangente. Os artigos excluídos não apresentavam relação direta com a temática em estudo não se enquadrando no perfil da pesquisa.
Na leitura e análise das publicações, buscamos as convergências e contradições, sendo que, ao organizarmos os dados, destacaram-se dois tópicos principais - desempenho do papel de gestor pelo enfermeiro: limites e possibilidades e concepções educacionais sobre a formação do enfermeiro na gestão de sistemas de saúde - os quais serão apresentados a seguir.
DESEMPENHO DO PAPEL DE GESTOR PELO ENFERMEIRO
O antigo modelo de sistema de saúde centralizado, cujos alicerces decisórios se restringiam em âmbito federal e estadual tornaram-se inadequados com a implantação do SUS no Brasil em decorrência da descentralização e a municipalização. Através do processo de implementação do SUS, os gestores municipais adquiriram maior autonomia, seguida de responsabilidade na gerência de serviços de saúde.
A enfermagem tem demonstrado nos últimos anos, potencial para implantação, manutenção e desenvolvimento das políticas de saúde, demonstra ser ela o eixo principal para suportar qualquer política de saúde que tenha como objetivo a assistência de qualidade(2). Entretanto, a atuação do enfermeiro como gestor sofre interferências que podem comprometer seu desempenho, dentre as quais se destaca: condições de trabalho insatisfatórias; tensão provocada pela pressão da demanda excessiva; falta de recursos; qualidade insatisfatória e ausência de integralidade no sistema de saúde; precariedade dos sistemas de informação operacionais, dificultando a avaliação de resultados; falta de política de desenvolvimento integrado de recursos humanos; decisões políticas (ingerência política); interesses político-partidários, externo à vida organizacional; falta de conhecimento técnico-científico sobre o sistema de saúde, como também das leis, normas e diretrizes que regem a saúde(10).
Além dos fatores intervenientes já citados, observamos na literatura críticas à própria formação do enfermeiro, tais como: descontextualização em relação às realidades regionais e às práticas que realiza, desconsideração do trabalho como princípio pedagógico, contato tardio do aluno com a futura prática profissional, valorização do domínio de habilidades técnicas voltadas para um sistema de alta complexidade, reduzida ênfase no trabalho multiprofissional, currículos pouco flexíveis, dicotomia entre teoria/prática, pensar/fazer, cuidar/administrar(11); sendo necessário uma lapidação no sentido do gerenciamento, pois os órgãos formadores ainda não proporcionam capacitação aos enfermeiros para torná-los aptos para desempenharem a função de gestores de saúde(2).
Conforme assinala Barbosa et al(2), a profissão proporciona aos enfermeiros um campo vasto de experiências, principalmente quanto à liderança, comunicação, pesquisa, organização, promoção e prevenção à saúde; porém, em todas o enfermeiro ocupa a liderança dentro das instituições direcionando grupos a um objetivo comum(2-12) . Esta característica de liderar comunga com o gerenciamento de serviços e a razão de ser da profissão, pois o enfermeiro possui um perfil gerencial que é delineado pela sua formação acadêmica, ou seja, o seu grau de conhecimento técnico e por suas características/ qualidades pessoais e profissionais(13).
No campo da saúde coletiva, o enfermeiro possui maior interligação com a comunidade, detectando seus problemas, objetivando ações para o controle e melhoria da qualidade de vida. O enfermeiro em saúde pública possui uma visão da realidade que contribui para a criação de estratégias em busca da resolução de problemas(2).
A enfermagem como disciplina profissional visa à construção do conhecimento entendido como gestão em enfermagem, que pode ser expresso pelo processo de trabalho, ou seja, um conjunto de atitudes do enfermeiro para manter a coerência entre o discurso e ação(14).
O conhecimento organizacional necessita de uma gestão e de uma enfermagem que se situa na interseção dos fluxos de informação, contribuindo com a melhoria das práticas de saúde através de uma cultura de compartilhamento do conhecimento(15).
Em síntese, podemos dizer que a atuação do enfermeiro como gestor depende, primeiramente, do conhecimento que este tem do processo de gestão em saúde, dos caminhos e da possibilidade de abertura ou desencadeamento de processos sociais e intersubjetivos de criação e recriação constante de acordos, pactos e projetos coletivos, como também de criar planos diretores com aplicação coordenada de recursos e atividades capazes de integrar ações sobre o meio ambiente, sobre a coletividade, sobre serviços assistenciais (público e privado), os conselhos municipais de saúde, os sistemas de informação de interesse em saúde, sua análise, interpretação e avaliação de resultados(16).
A FORMAÇÃO DO ENFERMEIRO PARA A GESTÃO DE SISTEMAS DE SAÚDE
Com a implantação do novo modelo assistencial – SUS – e a necessidade da formulação de novas políticas educacionais; a saúde e a educação passam por um processo de transformação o qual nos leva a reflexão histórica destes processos para a construção de novas realidades(17).
A transformação do projeto político pedagógico institucional é uma mudança muito complexa cuja efetivação só será possível com a participação de todos os atores envolvidos e do aprofundamento do debate político conceitual(18).
As novas diretrizes curriculares falam de formação crítica e reflexiva, visando a capacitação do enfermeiro para atuar em diferentes níveis de atenção do processo saúde-doença, na perspectiva da integralidade da assistência, o que não se consegue em uma formação hospitalocêntrica(18).
Nos dias de hoje, devido às grandes mudanças, como a globalização, torna-se necessário a avaliação e a revisão do modelo de ensino de enfermagem no Brasil(19).
A atualização constante do profissional de saúde através de um processo de formação contínua que contemple a aquisição de habilidades técnicas e o desenvolvimento de suas potencialidades no mundo do trabalho e no meio social se faz necessário em decorrência da crescente acumulação de conhecimentos(20).
Bagnato descreve como as fases da educação/ensino de enfermagem no Brasil, a religiosa, a vocacional, a funcionalista, a da organização dos princípios científicos e a da construção das teorias de enfermagem(19).
A fase religiosa sofre influências da igreja devido à conotação de um trabalho espiritualizado, impossibilitando às pessoas que se dedicavam ao trabalho de enfermagem reivindicar ou terem direitos. Na fase vocacional, surge a institucionalização da profissão, valorizando o trabalho e a disciplina na conduta dos profissionais. A fase funcional tem como objetivo formar um profissional dócil, obediente e controlável, caracterizando-se pelo desempenho de procedimentos e tarefas. Na fase de organização dos princípios científicos é marcante a preocupação em identificar e utilizar os princípios científicos na prática de enfermagem. Com o objetivo de construir um corpo de conhecimentos que confira à Enfermagem o “status de ciências” surge a fase de construção das teorias de enfermagem(19).
Há ainda um predomínio de características das tendências liberais, particularmente, da tradicional, referente à metodologia de ensino utilizada nos cursos de enfermagem, tais como: relação professor/aluno verticalizada, autoritarismo, fala centrada dos professores, cobrança do comportamento ético e moral dos alunos e outros(19).
Não se questionam estes procedimentos, estas cobranças, é a exigência, é a conduta, é a norma pela norma que por muitas vezes desfocam os verdadeiros valores, objetivos e finalidades da educação/ensino de enfermagem tais como: a busca da autonomia profissional, de elaboração de uma proposta de formação que enfatize/ valorize características de análise, de reflexão, de crítica e de superação de paradigmas para concepções que sustentam uma formação profissional comprometida com um projeto pedagógico-histórico-político-filosófico e social que subsidie ações, práticas de saúde voltadas para a maioria da população atendida por estes profissionais(19).
Neste sentido, torna-se imprescindível a revalorização do trabalho como sítio privilegiado de aprendizagem, viabilizando desenvolvimento de estratégias educativas nas quais, a reflexão crítica e a atitude problematizadora sejam valorizadas(18).
A prática educativa referida como a mais apropriada ao agir na saúde coletiva consiste na pedagogia da problematização por promover a valorização do saber do educando, instrumentalizando-o para a transformação da realidade e de si mesmo. Esta prática possibilita a efetivação do direito da clientela às informações, de forma a estabelecer sua participação ativa nas ações de saúde, assim como para o desenvolvimento contínuo de habilidades humanas e técnicas no trabalhador de saúde, fazendo com que este exerça um trabalho criativo. Devido a estas características a pedagogia da problematização caminha ao encontro dos princípios e diretrizes da Promoção da Saúde em busca de uma sociedade mais democrática em prol do desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos e da coletividade(20).
CONCLUSÃO
Os achados deste estudo permitiram constatar que a mudança no gerenciamento dos sistemas de saúde em todos os níveis organizacionais se faz necessária; porém, devido à inovação, a assimilação da função de gerente municipal tornou-se nebulosa por ser uma função nova, desconhecida, tendo como conseqüência o despreparo das equipes de saúde para assumirem a gerência e a liderança de funções. Esse despreparo deve-se a uma formação acadêmica inadequada à realidade de saúde do país e às políticas institucionais distantes da integralidade dos sistemas de saúde.
A formação em saúde e o próprio sistema de saúde estão em fase de transformação. Implicando assim, um processo de lento de construção/reconstrução onde todos os atores (clientela, profissionais, instituições) participam ativamente.
A pedagogia tradicional das escolas de formação vem sendo substituída gradativamente por uma pedagogia problematizadora e os currículos estão sendo modificados em função das novas diretrizes nacionais para a formação dos profissionais de saúde. Busca-se engajar o futuro profissional no contexto da saúde e prepara-lo para enfrentar os desafios sociais relacionados à área. Formando assim, profissionais críticos, capazes de refletir sobre o processo saúde-doença em sua integralidade.
A formação dos enfermeiros para atuar na perspectiva de gestão proposta pelo SUS é evidente em alguns cursos de graduação que vêm desencadeando mudanças em meio a um processo de transformação da formação e do próprio sistema de saúde. Exige-se do enfermeiro competências de caráter educativo, assistencial, administrativo e político, todas engajadas no compartilhamento de informações e conhecimento que o enfermeiro tem do processo de gestão em saúde, do desencadeamento de processos sociais através de pactos, dos projetos coletivos, dos planos diretores, integrando ações de coletividade, dos serviços assistências, do meio ambiente, das representações sociais e da avaliação dos resultados, ou seja, processos concretos de práticas de saúde diferenciados no interior dos serviços de saúde.
Os artigos examinados nos permitem dizer que o trabalho da enfermagem em saúde é marcante nas questões de coletividade. Seu potencial para a implantação, manutenção e desenvolvimento das políticas de saúde é relevante, demonstrando ser a enfermagem o ponto central e norteador deste processo. A principal contribuição da enfermagem para gestão de sistemas é o desenvolvimento dos princípios e diretrizes do SUS com base na incorporação e sustentabilidade das políticas de saúde atuais, porém a gestão tem que saber articular o político com o técnico-científico na produção de cuidados assistenciais em saúde.
É possível alcançar as metas e melhorar a qualidade de gerenciamento do Sistema de Saúde com vistas às questões epidemiológicas e ambientais, com a participação do enfermeiro em gerência do sistema contribuindo para definição de políticas de saúde do município. Assim os questionamentos desse instrumento gerencial poderão ser respondidos e transformados em qualidade tanto no âmbito assistencial quanto no campo profissional.
REFERÊNCIAS
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